O filme Guerra do Fogo, de 1981, dirigido pelo francês Jean-Jacque Annaud, conta uma história passada nos primórdios da humanidade. Neandertais e homo sapiens disputam território e recursos, em uma interação decidida pela capacidade do humano moderno de produzir e controlar o fogo. Tal habilidade viria a definir a conquista da Terra pela humanidade. Há mais de 100 mil anos o homem manipula a natureza para a fabricação de energia, essencial para protegê-lo do frio, cozinhar alimentos e garantir sua segurança em meio à escuridão.
A chegada da eletricidade à vida cotidiana revolucionou nossas sociedades e aumentou drasticamente nossa dependência de energia. Nossa segurança e visibilidade noturnas passaram a ser garantidas não mais pelo fogo, mas por fios de conexão e sistemas de distribuição de eletricidade, cuja geração passou a ser feita das mais diversas formas. Hoje sabemos que as mais tradicionais são nocivas ao meio ambiente. O relativo consenso que se formou em torno da principal causa do aquecimento global, a emissão de gás carbônico na atmosfera, transformou em vilã quase toda produção de energia, praticamente associando a vida em centros urbanos à inevitável destruição do nosso habitat natural. Até mesmo a operação hidrelétrica, não associada diretamente à emissão de carbono e considerada limpa a partir do início da produção energética, tem enorme impacto sobre comunidades e a natureza na sua fase de implantação. Produzir e consumir energia são atividades hoje tão perigosas ao planeta quanto essenciais à nossa vida moderna.
O assunto tornou-se mais complexo após o terremoto e tsunami no Japão, no mês passado. O acidente na usina nuclear de Fukushima foi de repercussões atômicas no debate sobre a validade e os riscos dessa matriz energética, considerada por muitos uma alternativa essencial no combate ao aquecimento global. Em comparação a qualquer outra produção de energia fóssil (carvão, petróleo, gás natural), ela é relativamente limpa, mas envolve o risco de vazamento de radiação e a inevitável produção de lixo radiativo. Isso já se sabia, mas o acidente de Fukushima deu novas cores à polêmica. Na Europa, a reação imediata foi o anúncio de novos testes de segurança nas instalações nucleares no continente. Apesar das promessas do governo alemão de rever a decisão de aumentar a vida útil de suas usinas, milhares de pessoas protestaram em Berlim contra a produção de energia nuclear no país. A preocupação dos alemães foi tanta que o apoio ao Partido Verde local disparou, dando à legenda uma histórica vitória nas eleições do Estado de Baden-Wurttemberg, uma derrota amarga para a chanceler Angela Merkel. Do ponto de vista de grande parte da Europa, a tragédia japonesa enfraqueceu o argumento em favor da energia nuclear.
Muitos, entretanto, não se cansam de repetir o que para outros é uma tese difícil de aceitar: o aquecimento global não poderá ser contido ou mesmo minimizado sem a ajuda da energia nuclear. Um dos que abraçaram essa linha de raciocínio foi o jornalista/ativista britânico, e conhecido defensor do meio ambiente, George Monbiot. Após o desastre de Fukushima, Monbiot decidiu aceitar a energia nuclear como uma alternativa menos ruim para salvar o planeta da destruição causada pelos combustíveis fósseis, após se convencer de que os danos à saúde causados pela radiação são menores do que se pensava. Sua posição, no entanto, está longe de ser unânime, tendo provocado a ira de ativistas como a australiana Helen Caldicott, que há décadas luta para expor o que considera perigos da radiação. No embate que os dois travam nas páginas do jornal The Guardian, Caldicott diz que Monbiot distorce evidências sobre os riscos da energia atômica, enquanto o jornalista argumenta que abandonar essa opção resultaria em um desastroso agravamento do aquecimento global.